A Nova Janela

Em um quarto isolado, numa terra longínqua, vivia uma triste e solitária garota, que não fazia nada o dia inteiro além de olhar pela janela e observar a vida fascinante dos pássaros lá fora. Ela sonhava em estar com eles e ver o mundo, mas estava presa àquele lugar, sem ter para onde fugir. Até que um dia a garota encontrou uma nova janela, que não mostrava apenas o mesmo cenário todos os dias, mas que reproduzia milhares de cenários diferentes, com pessoas que ela nunca havia visto sendo parte de histórias fascinantes e comoventes. A garota encontrou o Cinema.

Sofia tinha apenas 13 anos quando descobriu a Nova Janela, e alguns poderiam dizer que muitas pessoas encontram esse mundo bem antes disso. No entanto, Sofia não conhecia nenhuma dessas pessoas. A terra em que vivia era povoada por pessoas satisfeitas com suas próprias vidas, afinal de contas, elas tinham tudo que precisavam. Mas Sofia não. Seu pai havia partido e a única coisa que ela guardava dele eram as boas memórias. Ou pelo menos era o que Sofia pensava.

As caixas cheias de filmes antigos estavam guardadas no porão, e por sorte foram descobertas por Sofia quando ela fazia a faxina diária (ordens da terrível madrasta). Na frente da caixa estava escrito “Clássicos”, e ela logo reconheceu a letra do pai. Rapidamente, a menina correu com seu novo achado para seu quarto, e ao longo dos dias, quando sua madrasta saía para trabalhar, Sofia via os “clássicos” em sua Nova Janela.

A garota solitária assistiu um a um, e a cada filme que via, a janela de seu quarto, aquela que mostrava somente um cenário, tornava-se cada vez mais interessante e cheia de possibilidades. Quando Sofia olhava para aqueles pássaros cantando nas árvores, ela pensava se eles conversavam entre si sobre a menina que olhava para eles da janela de uma pequena casa. Pensava que talvez houvesse entre eles um pequeno pássaro que não sabia cantar, mas sonhava em poder dançar sem que ninguém o julgasse. Pensava que talvez pudesse existir algum pequeno pássaro em seu ninho que estava solitário como ela, porque havia perdido seus pais. Sofia até pensava que, talvez, os pássaros naquela árvores faziam parte de um grupo que lutava pela defesa de um sistema de governo diferente no mundo das aves, e que se encontravam escondidos ali porque fugiam do sistema.

Por meio da Nova Janela, Sofia aprendeu a aproveitar os pequenos prazeres, como o de botar a mão bem fundo no saco de feijão; aprendeu a não confiar em caras suspeitos que aparecessem em seus sonhos, pois eles podiam estar interessados em roubar suas preciosas memórias; aprendeu que não importava quão grande e seguro um navio fosse, o mar era ainda maior e mais perigoso que qualquer outra força. Através da Nova Janela, Sofia deduziu que seria melhor nunca visitar os Estados Unidos, principalmente Nova York, pois se alienígenas realmente existissem, este país seria o destino favorito deles. Mas talvez isso não fosse tão mal assim, se estes seres extraterrestres tivessem dedos enormes que brilham e pudessem levá-la para passear em uma bicicleta flutuante.

Sofia estudou minuciosamente cada filme de viagem no tempo que havia encontrado na caixa, para, quem sabe, achar uma forma de trazer seu pai de volta. Depois de assistir a um certo filme, a garota procurou cada jogo de tabuleiro que possuía, para garantir que nenhum leão ou rinoceronte iria sair da lá para atacá-la. Entre todos os filmes que seu pai havia deixado, Sofia encontrou vários órfãos, cada um deles com história dramáticas e surpreendentes. Como a do pequeno filhote que perdeu seu pai pelas mãos do tio e não sabia o que fazer, até ser encontrado pela mais estranha dupla de toda a região. Talvez Sofia também precisassem de alguém que cuidasse dela e dissesse a ela para esquecer todos os seus problemas.

Mas a história de órfão preferida de Sofia envolvia um garoto, jovem como ela, que não tinha a companhia de ninguém mais além da de um tigre. Os pais daquele garoto haviam morrido e ele estava sozinho, nas mãos de alguém que não gostava dele e que podia fazê-lo algum mal. Sofia logo pensou na madrasta. No entanto, enquanto o filme rodava, a garota viu que o tigre estava fazendo o que podia, em uma situação que não era ideal para ele. O animal não maltratou o garoto. Pode-se dizer até que cuidou dele. No final, o tigre deixou o garoto, afinal ele não era seu problema, e ela se perguntou quanto demoraria para sua madrasta fazer o mesmo.

Sofia assistiu a todos os clássicos de seu pai, desde os filmes de ação cheios de explosões até os romances cheios de açúcar. Em cada momento que ela passava de frente à Nova Janela, ela desejava estar lá, participando junto com aqueles personagens exóticos e intrigantes. Sofia sabia que isso não era possível, mas aproveitava cada minuto de sua fuga daquele pequeno quarto em que vivia. A garota estava prestes a se despedir dos filmes do pai, para guardá-los de volta no porão antes que a madrasta se desse conta da falta deles, quando percebeu um pequeno papel amarelo com a letra de seu pai.

Era um bilhete. Um bilhete dirigido a ela.

Pequena Sofia,

Você ainda é muito nova para assistir estes filmes, mas eu os separei especialmente para que quando você crescer nós possamos assisti-los juntos. Cada um deles significa algo para mim, e quando você for madura o suficiente, eles também vão ter um significado para você. Talvez não o mesmo que o meu, mas será sua visão de mundo, querida.  Espero que você possar guardar no seu coração cada momento que passarmos juntos em frente à tela do nosso pequeno Cinema. Eu te amo e sempre vou te amar.

Beijos do seu pai.

Uma lágrima caiu sobre o bilhete amarelo quando Sofia terminou de ler a letra do pai. Ela guardou o papel consigo e voltou para o quarto. De lá, ela olhou para a janela, com o cenário de sempre, e percebeu que os pássaros não estavam na árvore. Percebeu que o vento soprava diferente, e que o céu estava de um azul mais claro. Sofia havia recebido o melhor presente do pai, uma nova visão de mundo.

A garota tinha uma escolha. Ela podia continuar no mundo preto e branco de sempre, com a mesma rotina, com o mesmo cenário, presa a um mesmo lugar. Ou ela poderia lutar com os cavaleiros da Idade Média ou com os líderes da resistência em um mundo dominado por robôs. Ela podia se apaixonar e viver um conto de fadas. Ou um conto de vida real. Ela podia sair pelo mundo e nunca mais voltar. Ou voltar e mudar o seu mundo. A questão é que Sofia tinha um desejo. Quando estivesse velha, rodeada por seus netos, ela queria contar a história da escolha que fez e a história da escolha que poderia ter feito.

Qual história você prefere?


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